Nunca fui muito boa em textos reflexivos, criativos ou descritivos, com linguagens rebuscadas e palavras usadas no estilo barroco. Sempre admirei quem fosse e, para isso, não posso deixar de citar Gabriel García Márquez, Saramago ou, trazendo a arte da escrita para mais perto (pelo menos geograficamente), seria um crime não mencionar o jornalista (do qual tive a imensa honra de ser aluna e orientanda na monografia e TCC da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR) José Carlos Fernandes, que mantém ainda textos incríveis e de um deleite que a gente não vê mais por aí na Gazeta do Povo (se você não conhece ou ainda não leu, aconselho veementemente: os artigos do Zeca - como é carinhosamente chamado pelos alunos e por quem o conhece - são um remédio para a alma).
Meu negócio sempre foi o hard news. O texto político, a assessoria de imprensa, a gestão de crise, o imediatismo, o reto e direto, o objetivo e sem rodeios e, trazendo para o nosso mundo (dos jornalistas): o universo da pirâmide invertida, do lead sem nariz-de-cera, da informação apurada, do telefone e fax, da imparcialidade, do serviço e, acima de tudo, da informação verdadeira a todo custo.
Lembro que, além do Zeca, durante meus tempos de faculdade, tive um professor que foi um dos grandes responsáveis por me tornar a profissional que sou hoje: Zanei Barcellos. Um jornalista de mão cheia que ensinou exatamente e de maneira primorosa como a rotina das redações e assessorias funcionavam: prazos, deadlines, horários, fechamentos, manuais de redação, padronizações, gravações, coletivas, técnicas que nunca foram esquecidas (obrigada, Zanei, do fundo do meu coração, por tudo) e jornais laboratórios me que ensinaram boa parte do que é ser jornalista e, mais do que isso, a responsabilidade de passar a informação adiante.
Não posso, de jeito nenhum, deixar de citar uma pessoa aqui que não vive mais nesse plano: Nilma Almeida. Ela foi quem, de fato, me ensinou a escrever. Embora já tivesse ganho vários prêmios de redação antes de entrar na faculdade, foi ela (que faleceu de uma doença terminal recentemente) quem ensinou aos alunos da minha turma a respeito da obrigatoriedade de se engolir (com farinha ou sem) uma gramática e um dicionário, de aprender a respeito de preconceito linguístico e da incrível viagem bem-humorada que pode ser a língua portuguesa com Terra Papagalli (de Torero e Pimenta). Além disso, ela nos obrigou, de maneira muitíssimo sensata, a ter um exemplar do Manual de Redação da Folha de São Paulo e outro do Estadão.
Pois bem, acho que o super nariz de cera que fiz aqui fez com que a minha teoria dos textos objetivos caísse por terra…
Indo direto ao ponto, finalmente
Bom, depois de toda essa minha divagação a respeito de como me tornei jornalista, como uma profissional decente que sou, enxugo a lágrima caindo do canto do olho saudoso aqui e pergunto: o que te faz pensar que o ChatGPT sustitui um profissional com a capacidade de absorver experiências e ter a bagagem e o caminho que citei acima?
E isso tudo que escrevi é somente a ponta do iceberg: estudei mais duas línguas além do português, escrevi (a convite de uma editora) um livro didático a respeito de comunicação empresarial e organizacional como coautora, morei em diversas cidades e países, conheci muitas culturas e, além disso, busco conhecimento constantemente pois o desafio de ter uma agência de publicidade é diferente de tudo o que eu já tinha vivido até então.
Segundo a Forbes, a Inteligência Artificial (IA) generativa será um dos assuntos mais falados do ano, quando mencionamos a editoria de tecnologia. E, claro, não podemos deixar de citar o queridinho do mercado financeiro e das automações: o ChatGPT. Ele nada mais é do que um sistema que conversa e gera conteúdos (por isso o termo “ generativa”) baseado completamente em IA.
*Para se aprofundar no conceito da ferramenta e em como ela foi desenvolvida, clique aqui.
Obviamente que a plataforma é um marco e ainda vai evoluir muito, mas ela conseguiu, em menos de 60 dias após o seu lançamento, ter mais de cinco milhões de usuários ao redor do mundo e ser banida dos computadores das escolas de Nova York por conta do uso constante e desenfreado dos alunos.
Pois bem, depois de toda esta reflexão sobre IA, ChatGPT e em como seremos substituídos por máquinas com o passar do tempo (lembrando que tudo tem seu lado bom e ruim), no auge dos meus 17 anos de carreira, penso que já não se fazem mais jornalistas como antigamente. Ou, em um pensamento ainda mais saudosista: é muito difícil encontrá-los.
*A gente desabafou recentemente sobre o que andamos lendo por aí. Para ver o artigo completo é só acessar este link.
Além da nossa profissão (a de jornalista) ser regida por um Código de Ética e respondermos diretamente por aquilo que propagamos e assinamos no exercício do trabalho (somos profissionais com registro no Ministério do Trabalho), realizamos um juramento quando colamos grau que diz mais ou menos (pode variar um pouco de acordo com a instituição, porém o significado se mantém) o seguinte:
“Juro exercer a função de jornalista assumindo o compromisso com a verdade e a informação. Atuarei dentro dos princípios universais de justiça e democracia, garantindo principalmente o direito do cidadão à informação. Buscarei o aprimoramento das relações humanas e sociais, através da crítica e análise da sociedade, visando um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros.”
Tá, aí você pode dizer que é utopia achar que todo jornalista assume o compromisso com a verdade ao longo da carreira. E eu vou responder que até pode ser, mas tenho saudades da época dos jornalistas que liam exaustivamente, sabiam de cabeça o telefone do Telegramática (para quem não sabe, este serviço existe até hoje e é disponibilizado pela Prefeitura de Curitiba) e recitavam o Manual de Redação da Folha de S. Paulo de trás para frente.
Também, após quatro anos de contato próximo com recrutamento e seleção de profissionais do setor da comunicação, percebi que currículos bem escritos e sem erros gramaticais são raros, apuração dos fatos pode ser artigo de luxo e dar muito trabalho e, por fim, ouvir os dois lados de uma história pode ser cansativo.
Olha, o meu desabafo vai ficando por aqui, mas digo que precisamos de mais pesquisa e leitura e menos automação. Mais follow up* de qualidade e menos e-mails com releases vazios. Mais pensamento jornalístico, mais senso de urgência, mais feeling do que é notícia, mais conversas no off** e mais apuração, mais tempo de pesquisa e menos barrigas***, mais leads**** na pirâmide invertida***** e infinitamente menos narizes de cera******.
Sei que um lado da nossa profissão é um dom: assim como na gastronomia, na medicina, nas áreas criativas de maneira geral, na arte, no ensino, etc. Porém, boa parte da teoria do ofício se aprende em quatro anos de graduação e a outra parte (a maior dela, eu diria) se sustenta na prática. Porém, para aprender é preciso primeiro ter em mente que você não sabe e nunca vai saber tudo. Além disso, é necessário absorver. A gente só aprende quando está disposto a seguir na profissão com empatia e humildade, valorizando o que as experiências nos trazem e colocando em prática aquilo que nos ensinam.
*Follow up: ligação feita pelo assessor de imprensa para “vender” uma pauta ao jornalista de veículo.
**Off: declarações de um entrevistado que ele passa ao jornalista que não podem ser publicadas.
***Barriga ou barrigada: informação equivocada ou irreal divulgada pelo jornalista ou veículo.
****Lead: primeiro parágrafo de uma matéria que precisa conter os dados mais importantes.
*****Pirâmide invertida: formato de texto jornalístico que ordena as informações de maior para menor importância.
******Nariz de cera: parágrafo que deveria ser o lead, mas ao invés de informar, atrapalha a entrada no tema.