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Traduzindo o 'juridiquês' da comunicação pública

O Estado deve estar comprometido com a comunicação, mesmo que esta o comprometa. Este é um dos pilares do pensamento do filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004), grande defensor do princípio da publicidade na democracia. Mesmo que seus estudos tenham girado em torno da análise das ditaduras do século XX, eles foram de grande importância para a redemocratização dos estados, quando os países definiram regras para o acesso e a transmissão das informações públicas.

No Brasil, este direito foi assegurado como fundamental no artigo 5º da Constituição de 1988, quando é dito que “todo o cidadão têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”, salvo apenas quando o sigilo é imprescindível para a segurança do Estado. Por anos, normas foram criadas para a regulamentação e aperfeiçoamento deste direito, culminado na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), que pretendia viabilizar meios claros e transparentes de acesso a dados dos três poderes da União - Executivo, Legislativo e Judiciário - dos Estados e dos Municípios. Na época, o Brasil até entrou para a Iniciativa de Governo Aberto (Open Government Initiative), esforço feito pelo governo Obama para a transparência das administrações. 

Ok, até aí tudo muito bonito. O conceito de informação, transparência e acessibilidade que deixaria Norberto Bobbio bastante orgulhoso. Mas você já tentou ler alguma publicação dos diários oficiais dos governos? Elas estão lá, podem ser acessadas com alguns cliques, são publicados diariamente e dispõem de tudo o que foi decidido e feito pela organização naquele dia. Porém, é usado um português arcaico que mesmo profissionais da comunicação têm dificuldade em compreender.

Digo isso pois tive a oportunidade de estagiar por dois anos na Diretoria de Comunicação Social do Tribunal de Contas do Paraná. Lá, os juízes analisavam e julgavam as contas dos municípios do estado, checando irregularidades na aplicação do dinheiro público. Todas as decisões, determinações e multas eram publicadas em acórdãos, disponibilizados no Diário Eletrônico do Tribunal todos os dias. O nosso trabalho no departamento era traduzir o ‘juridiquês’ para o ‘português’ em releases, e disponibilizá-los para a população em geral e para o uso de jornais e empresas dos municípios interessados. Essa tradução era difícil para caramba e, mesmo o texto ‘mastigado’ por nós jornalistas, previa uma formalidade inacessível para grande parte da população do país.   

A comunicação prevê a decodificação da mensagem. Ou seja, comunicação sem a interpretação do receptor é apenas uma informação vaga, flutuando no espaço. Perguntei a Leticya Nogarolli, uma amiga, advogada, jornalista e estagiária de pós-graduação no Ministério Público do Paraná, sua opinião no assunto e ela foi enfática: a acessibilidade na comunicação pública é muito importante para que mais pessoas tenham acesso às informações necessárias, façam sua convivência em sociedade e tenham a garantia de seus direitos como cidadãos. “A função mais importante da comunicação pública é tornar informações geralmente abstratas, e que muitas vezes parecem que não foram feitas para serem entendidas, em concretas, palpáveis e compreensíveis”, ela comentou. 

Voltando para Bobbio, o princípio da publicidade governamental, do ‘poder visível’, é um dos pilares que diferenciam um Estado democrático de um Estado autocrático. Escrevi este texto como uma provocação de que, embora a visibilidade esteja posta e assegurada por lei, a acessibilidade à comunicação pública-governamental ainda está restrita àqueles que têm as ferramentas e estudos necessários para decodificar as mensagens publicadas. Em que, se tratando de Brasil, deve-se levar em conta que 29% da população é considerada analfabeta funcional, ou seja, que possui dificuldades para interpretar e aplicar textos. É impossível conceber comunicação sem pensar em como as informações serão decodificadas por pessoas de diferentes histórias e origens. Acabei por fazer deste tema uma militância pessoal, como cidadã e comunicadora: lutar para que informação pública seja transmitida de forma clara, coesa e inclusiva. 

Texto por: Mariana Rosa

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