Rick Garcia
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Quem você seria se pudesse se duplicar?

Ao longo da última semana, vários acontecimentos me fizeram pensar em como o tempo é relativo. O feriado prolongado que passou em um piscar de olhos; o cliente que tem uma agenda super lotada mas não deixa de tomar 6 litros de água por dia (e me fez sentir vergonha por sempre dizer que “não tomo água porque meu dia é muito corrido”); a fatura do cartão de crédito que venceu e eu esqueci de pagar porque não me dei conta de que já estávamos na metade do mês e, para completar, o terceiro episódio da nova temporada de Black Mirror que alugou um triplex na minha cabeça durante um final de semana inteiro.

Se você não conhece essa série eu te explico do que se trata: Black Mirror traz episódios individuais centrados em histórias inusitadas - e bizarras - com temas que giram em torno da espetacularização de horrores, do linchamento virtual, da padronização estética, da nossa relação com a tecnologia, com o dinheiro e com os bens de consumo, entre outras coisas. Para explicar exatamente o nível de desconforto que a série causa, eu poderia descrever o roteiro do primeiro episódio, “The National Anthem”, mas, como disse Schoichi Iwashita neste artigo: contar qualquer coisa a partir do quinto minuto já seria contar demais, é preciso assistir.

De maneira geral, os episódios trazem os temas que citei anteriormente de forma bem escrachada, mas quando paramos para refletir sobre eles, percebemos que tudo o que passa na tela já acontece na “vida real” há muito tempo. Um exemplo é o ep. “Queda Livre”, da terceira temporada. Nele, toda vez que interagem entre si, os personagens se avaliam a partir de notas em uma rede social. E todo mundo tem acesso à nota de todo mundo: quem tem nota alta é mais rico, mais bonito, mais bem posicionado na sociedade; quem tem nota baixa é considerado uma escória. Essa lógica te lembra alguma coisa? Alô, likes no Instagram, aquele abraço!

Depois de cinco temporadas repletas de episódios desconfortáveis como este, chegamos à sexta etapa de Black Mirror, lançada no último dia 15. Confesso que eu ainda não assisti todas as histórias, mas, como comentei, uma delas ficou alguns dias na minha cabeça: “Beyond the sea”. Foi o primeiro ep. que eu assisti, justamente devido ao elenco: Aaron Paul (mais algum fã de Breaking Bad por aí?) e Josh Hartnett. 

A premissa da história gira em torno de dois astronautas que trabalham juntos em uma estação espacial. Mas não para por aí. Ambos têm duas versões de si mesmos: a versão humana (que fica no espaço) e a versão robótica (que fica na Terra). Como a missão deles duraria 6 anos, essas segundas versões foram criadas para que eles não precisassem passar todo esse tempo longe de casa, da esposa e dos filhos. Entretanto, elas não coexistem: enquanto uma está ativa, a outra fica “dormindo”. Tudo muito lindo e funcionando muito bem até que uma tragédia acontece e a história toma rumos bizarros que, como sempre, te prendem até o último segundo.

Não sei se esse era o objetivo da série, mas eu, particularmente, fiquei imaginando como seria a minha vida se eu pudesse ter uma versão robótica de mim mesma. Na minha ideia isso só seria justo se as duas versões pudessem coexistir. Provavelmente eu dividiria todas as minhas tarefas entre as duas “Jéssicas” e transformaria as 24 horas do meu dia em 48 horas de pura produtividade. Só consigo pensar nos projetos que eu tiraria do papel, nas demandas empacadas que finalmente sairiam do lugar, nas mensagens do WhatsApp que eu conseguiria responder com mais rapidez… A lista de afazeres seria gigantesca.

Enquanto escrevia esse artigo, eu tentava pensar qual seria a problemática que eu traria para essa discussão. Mas quando escrevi o parágrafo anterior, o problema caiu no meu colo de paraquedas: a primeira coisa que a gente pensa quando se imagina com uma segunda versão de nós mesmos é em sermos mais produtivos. Não consideramos colocar as duas versões para viajar e conhecer o mundo, para passar um tempo maior com a família ou simplesmente para não fazer nada.

No mundo atual tudo é tão acelerado que, por mais produtivos que sejamos, nunca parece ser o suficiente. Sempre tem um problema pra resolver, um boleto pra vencer, um litro de água pra tomar. Nem os áudios do WhatsApp e os podcasts escaparam da pressa da sociedade: tudo pode ser acelerado, tudo pode ser feito em menos tempo. Por que com as nossas demandas do dia a dia essa imposição seria diferente?

Esses dias ouvi falar sobre a “tiktokização” do mundo, que nada mais é do que o fenômeno atribuído às pessoas que não conseguem assistir, ler ou ouvir nada com mais de 30 segundos. Pode parecer brincadeira, mas segundo as próprias plataformas de streaming, a geração Z não escuta músicas com mais de dois minutos e meio até o fim. E tudo isso graças aos stories de 15 segundos, aos reels de 1 minuto, aos tweets de 280 caracteres e aos áudios em 2x.

Infelizmente eu não conheço nenhum remédio, milagre ou poção mágica que possa reverter esse quadro da nossa sociedade. Mas comumente vejo colegas se obrigando a desacelerar porque o corpo e a mente falham. A tecnologia nos adoece, assim como acontece com vários personagens dos episódios de Black Mirror. Afinal, ainda não somos seres humanos capazes de criar versões robóticas de si mesmos. O que nos resta é viver sempre em busca do topo do pódio ou aceitar que o segundo lugar também é digno de honra.

Desejo a você discernimento nesta escolha. Um abraço!

AUTOR DO TEXTO:
Jéssica Ramiro
Jornalista | Redatora
É formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade IELUSC e já realizou diversos cursos nas áreas de produção de conteúdo e gerenciamento de mídias sociais.

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