Como boa cria da periferia, sempre estive onde a minha gente colocou seus pés - e com isso, presenciei feitos inacreditáveis e a quebra de todas as estatísticas negativas que pesam sob seus ombros. E mais uma vez, pude testemunhar esse feito. Neste mês, fui a mais uma edição da Expo Favela 2023, no WTC Events Center, em São Paulo.
Com o objetivo de dar visibilidade para empreendedores e startups nascidas na periferia, o evento, produzido pela InFavela e organizado pela Favela Holding com parceira social da Central Única das Favelas (CUFA), contou com diversos expositores que levaram novidades nas áreas de moda, reciclagem, agricultura urbana, tecnologia, cinema, além de debates e workshops feitos por gente que sente a realidade, por vezes cruel, e precisa torná-la rentável.
Entretanto, desta vez, meu faro jornalístico me fez voltar o olhar para diversos jornalistas e veículos de comunicação de comunidades, expondo em cada estande seus métodos para driblar as dificuldades e fazer o seu negócio rodar. Afinal, de acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva, o acesso à internet é ruim em 43% das favelas brasileiras.
Outro dado um tanto quanto curioso (e previsível!), é que enquanto a classe média-alta tem computadores em 83% de suas casas, apenas 20% dos moradores de comunidades os possuem. E mais um número alarmante: todos eles possuem smartphones, mas para 86% dos que têm celular pré-pago, onde o plano termina antes do período programado pela operadora, segundo um mapeamento realizado por uma jornalista do jornal Maré, do Rio de Janeiro.
E, mesmo com todas as dificuldades, a comunicação comunitária existe e resiste, sendo praticada por quem vive no território, dando vez e voz para diversos assuntos de dentro das favelas, e alterando a narrativa de marginalização reforçada pela grande mídia. Por muitas vezes, os jornais são entregues de porta em porta, para que seja, de fato, visto por todos.
Esse tipo de jornalismo que, por vezes, é invisibilizado e até colocado em posição de descredibilidade, é capaz de compreender as necessidades dos moradores e moradoras com uma sensibilidade de quem vive na pele cada manchete relatada, produzindo notícias totalmente relevantes, trocando em muitos momentos seu papel de narrador para o de fonte.
Na Expo, muitos desses veículos estavam reescrevendo não apenas as suas histórias, mas as de comunidades inteiras. Quando colocamos esses veículos na rota da comunicação nacional, enxergamos o abismo nas notícias que rodam por aí. Quando a grande mídia noticia um homem preto como traficante e um homem branco como “estudante de direito que carregava drogas”, estamos reiterando um lado da história que descredibiliza e estereotipa. E é contra isso que cada um deles luta. É para lutar contra isso que eles levantaram bem cedinho nos três dias de evento, pegaram seus ônibus e se deslocaram até um bairro nobre da cidade, carregando apenas a sua verdade na mala.
Enquanto comunicadores, precisamos compreender a importância das mídias de favela, e como devemos utilizá-las como fonte verdadeira de informações. Devemos incentivá-los, seja com um like, uma veiculação, uma utilização como fonte, um compartilhamento e, de fato, sermos grandes apoiadores dessas pessoas que se trabalham pela informação. É aquilo: nenhum vizinho falará tão bem de elementos da nossa casa como nós mesmos. E é assim com a favela: ninguém falará tão precisamente das dores e delícias de uma comunidade, como quem vive nela.